09 mai 2006

As chaves


Fui aprendendo, no ainda curto espaço de tempo em que vivi, que o melhor remédio contra os momentos de angustia é escrever. Talvez tenha tomado demasiado à letra esta terapia por muitos dos que conheço aconselhada, mas parece-me especialmente eficaz em momentos como este.
Sao onze horas e quarenta e cinco minutos do dia 26 de Abril de 2006 naquela cidade à qual costumam chamar nos panfletos turisticos “cidade luz”. Pois bem. Eu, longe de encontrar-me com os meus amigos milaneses para uma noite de primavera ao sabor de uns frescos e sensuais Daikiris ou de regressar a casa pelo Boulevard Saint-Germain depois de ter ido ver as Bodas de Figaro com o meu agente, encontro-me aqui. Porquê? Trabalharei no meu ultimo romance? Nao. Escrevo uma tese? Também nao. Perdi as minhas chaves. Além disso, tenho um seminario amanha às nove da matina.
No que respeita às chaves, passo a explicar: trata-se de um porta-chaves com uma espécie de fita vermelha, ao bom estilo ginastica de salao regional socio-recriativo, com uma cruz branca. Momentos de loucura fizeram com que acedesse ao poder de seduçao de um senhor com um farto bigode negro, perto do lago Léman ou Genève, como preferirem. Por outras palavras, comprei o macabro objecto na Suiça. Utilizo-o desde hà muito tempo e é bastante practico. Pode ser levado ao pescoço ou em um dos bolsos. Tenho, desta forma, batido um record bestial desde que me inscrevi ( pela terceira vez) na faculdade: uns bons sete meses sem perder as chaves, carteira, ou qualquer outro elemento de necessidade imediata dentro de um contexto urbanitas pos-moderno. Tenho certeza de que trazia esse porta-chaves comigo quando cheguei a casa. Senao, entre outras coisas, nao teria conseguido entrar. É estranho, mas verdade.
Situaçoes como esta fazem-me lembrar outras situaçoes melhores que esta. Sim, senhor leitor, nao se trata de um erro ou de uma repetiçao desnecessaria. uma das outras importantes liçoes que a vida me deu foi aprender a lidar com todas as tragédias da vida com um certo optimismo. Creio que a pérdida das chaves de casa ( ainda que estejam necessariamente dentro do “estudio” de 20m2 onde me encontro) é ainda uma pequena tragédia. Talvez deva lembrar-me, como me aconselham os meus amigos, do momento feliz que constituiu a compra da fita vermelha porta-chaves. O problema é que essa fita faz-me lembrar uma historia horrivel que me contaram nas aulas de Moral e Religiao Catolica quando tinha dez anos, sobre uma menina que morrera à espera que o seu melhor amigo fora visita-la. Durante a espera prolongada, a criatura ajeitava cuidadosamente a fita vermelha que tinha no cabelo. Fiquei tao traumatizado que ainda hoje gosto de visitar os meus amigos quando se encontram doentes, ainda que tenham uma pequena constipaçao. Vou procurar as chaves.

Aucun commentaire: