09 mai 2006

As Drageias do Senhor Leitor - XMAS


Explicaram-me, por volta de 1984, que o Pai Natal ajudava o Menino Jesus com a entrega das prendas. Uma espécie de holding Xmas internacional, portanto. Foi a partir desse ano em que a Suécia ganhou a Eurovisão que comecei a ficar confuso. Como trabalhariam aqueles dois seres? Ainda que pequeno, começava já a colocar questões de ordem intergeracional e relativas à gestão do conflicto de interesses. Quem leva o quê? Quem distribui primeiro? Resolvi então afogar as minhas ansias em filhozes. Para quem não sabe, doces do Norte- de Portugal, claro está- que ajudam a que pensemos que o ano que vem será melhor. A época pubertária, essa, livre das tensões entre Nicolau e Jesus, revelou-se fatídica: o prozac de abóbora veio a constituir-se como uma arma de destrucção massiva na minha cútis. Habituei as mulheres da minha família a que enchessem o meu prato de sobremesa de filhozes. Fiz mal. O resultado veio a ser o que se segue: matei o meu Pai Natal, mas criei um monstro maior. As porrinhas. As porrinhas são três mulheres da minha família educadas entre outras seis. Juntas, ou seja, as nove, formam uma espécie de comunidade matriarcal que se dedica a alimentar os homens da mesma família. Por mais que um se esforce um para não ter que comprar calças novas em Janeiro, as porrinhas ganham sempre. Curioso fenómeno de ironía culinária o que se deu nessa zona da Ria nos últimos Natais: as filhozes, outrora prozac de abóbora eficaz contra a inexistencia do Pai Natal e do Menino Jesus, transformaram-se, a partir da segunda metade dos anos noventa, num fenómeno de dominação geracional. Ou seja: ao assassinar o meu Pai Natal e ao fugir da resolução desse conflicto de gerações que começara por atormentar-me não consegui ultrapassar o meu próprio conflicto familiar de cariz igualmente geracional. Aceitei as filhozes passivamente durante demasiado tempo. E agora, aquelas mulheres de bata azul começam a ganhar terreno. Se não me ponho à defensiva, em breve necessitarei de uma bata azul, mas esta, muito maior do que o casaquinho vermelho que cobre a barriga do Nicolau.

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