07 août 2006

O Pêndulo - versão retocada e talvez menos estranha.


Boa tarde a todos os que visitam o blogue. Boa noite se estiverem noutro lugar. Como sei que tenho mais amigos cibernéticos do que em Maio, decidi "re-postar" este texto que escrevi uns dias depois de acabar a primeira época de exames. Nada de demasiado profundo, mas escrever é saudavel, ainda que o teclado não ajude. Gostaria de receber as vossas criticas e opiniões, sejam elas amigaveis ou nem tanto.
Hexagonista.
São oito e vinte quando desço as escadas em caracol de madeira. Deve ser de madeira porque provoca na vizinhança uma especie de languidez perpetrada quando passam por suas casas. Eu quero quebrar esse ritmo que alguém deve ter ditado e marco um descompasso entre as notas do meu Mp3 e as tacadas secas que anuncio nas escadas. É o 28 da rua Bonaparte. Assim, entre saltos e avanços, chego ao fim do inicio. Aqui começou um dia o pendulo.
À medida que me aproximo da calçada do atrio central, sou comprimentado pela manhã austera que me reserva o mês de Fevereiro. Não me posso queixar, pois ja fui presenteado pelo dito com o fim dos exames do primeiro semestre. E eis-me à porta de casa. Da casa de umas sete familias, mais loja de onerosos productos e dois estudantes arrumados como Lego numa caixa, la no topo. Hà quem lhe chame àguas furtadas. Aqui dizem-lhe chambre de bonne, chambre de bonne femme. Curioso que as criadas sejam boas mulheres. Por outro lado, que remédio têm
Ao sair, o ar frio que não consegue parar os meus movimentos tenta roubar-me as orelhas. Aloja-se em cada um dos poros da minha cara, ao que estes respondem determinados. E tudo flui. Marcho destemido. Ao longo do trajecto, a Igreja de Saint Germain funde-se no docil nevoeiro que conforta a sua torre. Desenho, com o movimento das minhas pernas, linhas imaginarias que não são mais do que o desejo frustrado de seguir o ritmo de Jay Kay. É a ditadura dos Mp3 a transmitir uma nicotina indispensavel aos pendulos diarios das nossas cidades.
E de repente imagino. Tudo começa pelo semaforo. Deixa de apresentar as cores, enfurecido. Recusa-se a cumprir com as suas funções.
Depois, a passadeira move-se como uma serpentina e os três senhores de gravata que passam no momento deixam cair as tristes malas, sentindo um certo ritmo. Olham para o céu, quel cliché anunciado, e convidam a senhora do Twingo a dançar. Ao mesmo tempo, as nuvens abrem espaço a um verdadeiro fluxo de luz, amena por ser manhã, mas que convida os autocarros a parar e as gentes a espreguiçarem-se, acordando do sono do pendulo. Os predios delicados de tons pastel experimentam novas formas e abrem alas às senhoras sérias das lojas mais requintadas, agora desejosas de fluir, de pegar nas malas e nos sapatos e nos chocolates e nos bolos e nos relogios e em tudo o que se predispõe nas montras e dançam. As notas musicais concedem, a partir das vibrações que irrompem nos meus auscultadores, as pautas necessarias pare que todo este espectaculo de abstracão se desenvolva em toda a sua plenitude. Eu sigo o meu caminho. Dobro à esquerda na rua de Rennes, onde a loja dos correios, contaminada pelos espamos inabituais a estas horas do dia, se transforma numa dancetaria improvisada, na qual até os cartazes que nos prometem uma vida melhor se enviar-mos postais se rendem às evidencias do momento.
Mas a caminhada de um quarto de hora não é eterna. Ao sentir o frio que na realidade nunca me abandonou, baixo o som do aparelho. O carro segue o seu caminho, os homens voltam ao seu percurso, os prédios do sexto bairro voltam a ser formais, as lojas ganham a arrogância que tinham deixado no chão, ao lado da passadeira que serpeteava. Esta volta a cumprir religiosamente com a sua função de separar os que caminham dos que se fazem deslocar e de tentar impedir que, estranhamente, alguém ponha limites à existencia de um terceiro. Abandono a cena e agasalho-me, construindo um elemento de metalinguagem que expressa a minha distancia respeito desta cena, que, de facto, nunca existiu.
Ja perto do Instituto, deixo que tudo se dilua em fumo espesso e morno, que ganha rapidamente os contornos do ar, para passar desapercebido pelas gentes. Contemplo as arestas sérias e sacralizadas de Paris 2 e encho o peito de impeto antes de apresentar o cartão amarelo que me permite fazer parte de tão douta instituição. E mais uma vez, venci o pendulo.
No Hexagono.

1 commentaire:

intruso a dit…

mais um excelente post...
vale a pena ler-te...